sábado, 20 de janeiro de 2018

O desemprego e as vendedoras de marmita



Estamos com 14 milhões de brasileiros desempregados. Como o consumo das famílias é um dos motores que giram a economia, sem dinheiro no bolso e com 60 milhões de brasileiros endividados, é melhor pensar em quitar dívidas do que falar em compras.

Para reativar a economia, pelo menos dois motores deveriam ser acionados: o investimento das empresas e o investimento do estado. As empresas não investem, na atual conjuntura, devido à incerteza. A finalidade primeira de quem tem uma empresa é o lucro. Se não existe previsão de lucro, melhor ficar quieto. Aguardando as boas oportunidades de negócios. O estado poderia estar investindo, por exemplo, através do BNDES. Ao invés de investir, o BNDES vai devolver para o tesouro 100 bilhões de reais, para cobrir o déficit do Meirelles. No final da linha, vai para o sistema financeiro, via pagamento de juros e para a amortização da dívida pública.



O Meirelles afirma que o orçamento público é semelhante ao orçamento de uma família. Só se pode gastar o que ganha. Isso não tem o menor sentido. Quanto mais o estado gasta, mais o estado arrecada impostos. A economia do setor público não tem nada a ver com a economia de uma família.

Quando o governo da ponte para o futuro aprova, com o apoio do congresso nacional, a emenda do teto dos gastos públicos, deixa de fora do teto o pagamento de juros e a amortização da dívida pública. Mas como? O orçamento federal é drenado, na sua mais expressiva fatia, exatamente por meio da dívida pública. Como deixar de fora? No orçamento federal de 2018, no valor de 3,5 trilhões de reais , 52%, ou seja, 1,8 trilhão irá para o pagamento de juros, encargos , amortização e refinanciamento da dívida pública! Para a educação, pouco mais de 100 bilhões de reais.
É um verdadeiro absurdo. Horroroso, esse quadro.

Precisamos entender o que representa a moeda, nas nossas vidas. Entendermos um pouco o mundo do sistema financeiro. O mundo dos bancos. Quando carregamos notas na carteira ou na bolsa, ou um cartão de crédito, na realidade estamos carregando direitos para comprar produtos no comércio. São meros papéis – as notas – ou apenas registro em computador de banco, no caso do cartão de crédito. No computador do banco está registrado que você tem um saldo de tantos reais, ou seja, que você tem direito de comprar produtos ou serviços no mercado no valor registrado. Nem precisa de notas de papel. Os produtos, o que realmente movimenta a economia real, são produzidos com esforço, precisa de matérias prima, de máquinas, de equipamentos, de mão de obra dos trabalhadores. Até na pastelaria é assim. Precisa de fogão, de gás, de óleo, de massa de pastel, carne, queijo. Caldo de cana. De uma boa receita de pastel. E, de quem faz, frita e vende o pastel. Gasta-se com equipamentos, matéria prima, pessoal. Paga-se imposto. Sobra o lucro!

E um banco? Como ele anda gerando seus lucros? Um banco guarda o dinheiro poupado pelos seus clientes e empresta para quem está precisando, para uma pessoa ou para uma empresa. Libera créditos. Libera direitos de compra, não é mesmo? Você imagina um banco liberar direitos de compra, em forma de crédito, 30 vezes o que esse banco dispõe em caixa? Pois é, foi isto que o banco Lehman Brothers fez no EUA, e desencadeou a crise de 2008, cujos resultados sentimos na pele até hoje. A alavancagem desse banco era de 31 vezes o que dispunha em caixa. Emitindo no vazio, cobrando juros e tarifas e ganhando dinheiro. E esse banco não estava sozinho. Nem nos EUA, nem na Europa nem tampouco no Brasil. E nenhuma das agências de risco, essas que rebaixam a nota do Brasil, percebeu. Estranho, não? Para quem elas realmente trabalham? Que interesses estas agências realmente defendem?

E a marmita?

Uma pizza está custando entre R$ 25,00 e R$ 60,00 reais. Uma promoção de sanduíche, com coca-cola e batata fritas, entre R$10,00 e R$25,00. Em período de dieta os nutricionistas sugerem evitar os dois – a pizza e os sanduíches com o refrigerante e as batatas fritas.

Tenho observado, aqui na pista principal do Lago Norte, bairro onde moro em Brasília, uma grande concentração de vendedoras de marmitas, trabalhando no horário compreendido entre 11:00 e 14:00 horas. A quantidade de vendedoras tem crescido fortemente nesses dois últimos anos. Atualmente, elas se concentram a cada dois quilômetros. Próximo a um pequeno centro comercial, cheguei a ver três delas, separadas não mais que um quilômetro uma da outra. As quentinhas dentro de uma grande caixa de isopor. No diálogo com uma delas perguntei: qual é o preço da quentinha? R$10,00 reais, respondeu. E como é a marmita? Arroz, feijão, legumes e você pode escolher: frango cozido, frango assado, bife ou carne cozida. Um trabalhador, na rotina pesada, come uma dessas e fica bem satisfeito, disse ela! 

A marmita é sua, você é a dona, perguntei novamente, já que ela não emitia nenhum sinal de irritação com as minhas perguntas? Não, ganho comissão? Quanto? Dois reais por marmita. E, quantas marmitas, em média você vende? Umas quinze, cada dia. Quinze marmitas, com comissão de R$2,00 reais por marmita, rende R$30,00, em cada dia. Cinco dias na semana e 4 semanas no mês, chega-se a algo em torno de 600,00 a 700,00, por mês. Com a nova lei trabalhista, a relação do dono do negócio com as vendedoras de marmitas ficou mais flexível. Não terão problemas.

Perguntei à nossa diarista, que recebe por 8 horas trabalhadas aqui na nossa casa uma diária de R$150,00 o que ela acha da atividade destas moças que vendem as marmitas na pista principal do Lago Norte, aqui em Brasília? Ela disse: está razoável. Elas não querem pegar no pesado. Apresentei a mesma pergunta para um outro conhecido, que vive em uma casa de classe média, aposentado como servidor público, que tem uma fazenda e anda de caminhonete Hilux. Ele disse: está de bom tamanho. Para quem está desempregado.

Verifiquei que em todos os pontos, as vendedoras são mulheres. Perguntei – e foi a última pergunta, para relaxar um pouco - por que razão? Uma delas disse: você imagina homem vendendo marmitas em beira de estrada?

Notei que parcela expressiva delas tem telefone celular, tipo esses que fala, tira foto e envia mensagem pelo whatsapp.

Fiquei me perguntando: existiria alguma relação entre o aparecimento das vendedoras de marmita na beira da pista, o atual desemprego e a atuação do sistema financeiro no Brasil e no mundo?
Pode ser. Ou não, parafraseando Caetano Veloso!










Aldo João de Sousa ( professor aposentado do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília )

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Um comentário:

  1. É a barbárie uma pessoa sobreviver em Brasília com esse ganho salarial.Nota zero para a sua diarista no quesito solidariedade de classe, a mesma nota para o bonitão da Hillux que pensa que é rico; o que nos falta mesmo é leitura do mundo, por conseguinte nos falta humanidade. Falo de leitura de mundo no sentido Freireano, o que só é possível por meio de uma educação como prática da liberdade. Estamos aprisionados pela ignorância, que ao final das contas beneficia somente às elites. Sigo na contramão.

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